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29 maio 2025

Kelsen e os honorários contratuais em ações trabalhistas coletivas

 Na última semana, circulou nos meios jurídicos a manifestação do ministro Flávio Dino no julgamento de recurso do Ministério Público do Trabalho (AO 2.417) contra decisão que negou ao parquet trabalhista o direito de atuar em um caso envolvendo a cobrança de honorários advocatícios em ações coletivas:

“Creio que ninguém no mundo pode dizer que isto constitui uma lesão ao patrimônio dos advogados: R$ 1 bilhão e 500 milhões de reais provavelmente de honorários sucumbenciais. Nós estamos aqui controvertendo sobre um plus. Como diz o povo da minha terra, um fora parte”.

Bom, esse valor foi arbitrariamente estipulado pelo ministro. É difícil dizer o valor exato ou até aproximado. Mas uma coisa é certa, segundo os advogados do processo: nem de longe é esse o valor; além disso, os honorários são divididos por mais de uma dezena de advogados que, frise-se, trabalha(ra)m no caso há dezenas de anos.  Tem advogado que começou na causa e seus filhos a estão finalizando. Parece bizarra essa demora e, mais ainda, se o desfecho culminar com o descumprimento do dispositivo do Estatuto da OAB que garante esse direito aos causídicos. Demonstrarei na sequência.

A manifestação do ministro deu-se no contexto de divergência com o voto do relator, ministro Nunes Marques, no âmbito de embargos de declaração, quanto à possibilidade de intervenção do MPT em autos de execução trabalhista, com o propósito de obstaculizar a cobrança de honorários advocatícios contratuais acordados entre os patronos da reclamatória, a entidade sindical e os trabalhadores beneficiados.

Explicando: no caso em exame, (1) houve a contratação de advogado para atuar em defesa dos interesses da entidade sindical e seus sindicalizados; (2) ato contínuo, a execução dos honorários contratuais pelos causídicos, nos autos da reclamatória originária; (3) e, em decorrência disso, a intervenção pelo MPT, alegando — manifestamente contra o que aduz lei federal — a impossibilidade de cumulação dos honorários contratuais aos assistenciais e/ou sucumbenciais. Como ocorre seguidamente, é o fiscal da lei a insurgir-se contra a lei porque com ela não concorda.

Pois bem. Ao julgar o mérito da ação, o Plenário do STF decidiu que

“o Ministério Público do Trabalho não possui legitimidade ativa para recorrer de decisão referente a honorários advocatícios que não surjam diretamente da relação de trabalho, por se tratar de direito individual disponível.”

Em face desse acórdão, o MPT opôs embargos de declaração buscando efeitos infringentes. Embargos é aquele recurso que, quando usado pelo advogado no processo criminal, por exemplo, recebe seguidamente a ironia do membro do MP dizendo “o réu quer revolver a prova e mudar o resultado”…

É nessa estreita via que o ministro Flávio Dino reabre a controvérsia: “não se trata apenas de direitos individuais disponíveis”. A questão seria a forma como esse contrato de honorários se desenhou: com anuência da categoria em assembleia geral, e não mediante contratos individuais. Problema: nem a Constituição nem a lei exigem contratos individuais.

Ao contrário: substituição processual existe exatamente para evitar a individualização. Todavia, o entendimento do ministro é de que são indevidos os honorários contratuais firmados pelo sindicato a serem arcados pelo associado, exceto nos casos de contratos individuais regularmente firmados. De novo: tratou-se de substituição processual. O que o ministro Flávio Dino reivindica na sua manifestação em sede de EDs é o contrário do que estabelece a lei. Ele ainda invoca Kelsen, para dizer que, provavelmente, um dos maiores juristas do século 20 não ganhou “tudo isso” ao longo de sua vida.

O caso à luz da teoria da decisão

Se Kelsen ganhou ou não ganhou “tudo isso” em sua vida, difícil dizer. Ou Dworkin. Importa dizer que Kelsen nunca se preocupou com o modo de como os juízes devem decidir. Para ele a decisão jurídica é uma questão de “política jurídica” (TPD, p. 470).

Spacca

Permito-me dizer que esse problema da adoção de critérios — objetivos — para a decisão jurídica é uma verdadeira batalha epistemológica que se trava no âmbito da busca de decisões adequadas à Constituição — não só no Brasil. Nesse exato sentido, uma lei só pode deixar de ser aplicada em seis hipóteses:

1) quando for inconstitucional, ocasião em que deve ser aplicada a jurisdição constitucional difusa ou concentrada – não é o caso em discussão;

2) quando for o caso de aplicação dos critérios de resolução de antinomias — tampouco há que se falar em lex anteriores ou posteriores etc.;

3) quando for necessário aplicar a interpretação conforme à Constituição (verfassungskonforme Auslegung), ocasião em que se torna necessária uma adição de sentido ao artigo de lei para que haja plena conformidade da norma à Constituição. Nesse caso, o texto de lei (entendido na sua “literalidade”) permanecerá intacto; o que muda é o seu sentido, alterado por meio de interpretação que o torne adequado à Constituição — igualmente não se vislumbra hipótese de se dizer que uma conquista como a substituição processual possa ser confrontada e reintepretada;

4) quando for preciso aplicar a nulidade parcial sem redução de texto — muito menos estamos diante disso que, originalmente, chamou-se de Teilnichtigerklärung ohne Normtextreduzierung;

5) quando for o caso de declaração de inconstitucionalidade com redução de texto, ocasião em que a exclusão de uma palavra conduz à manutenção da constitucionalidade do dispositivo – da mesma forma, não há o que “cortar” do dispositivo da OAB;

6) quando — e isso é absolutamente corriqueiro e comum — for o caso de deixar de aplicar uma regra em face de um princípio, ocasião em que a regra perde sua normatividade em face de um princípio constitucional, entendido este como um padrão, do modo como explicitado em Verdade e Consenso [1] — aqui, não se vislumbra qualquer princípio que poderia ser um obstáculo ao dispositivo da OAB que dá direito aos honorários convencionados.

Fora dessas hipóteses, o juiz tem a obrigação institucional e constitucional de aplicar a lei, porque é um dever fundamental Se o Judiciário achar que a lei não vale, deve então a declarar dentro das seis hipóteses. O Judiciário, quando não aplica lei válida, está legislando na via contrária.

Vejamos os dispositivos envolvidos no caso em discussão: o inciso III do artigo 8º da Constituição é claro em estabelecer a conquista político-jurídica da substituição processual:

“ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas.”

Trata-se, assim, de um direito fundamental de acesso à justiça por meio de um atalho institucional que livra o trabalhador/cidadão não somente das agruras de ingressar individualmente com uma demanda, como também o desonera das pressões dos detentores do capital. Repita-se: estamos diante de um direito fundamental!

Esse direito fundamental também é procedimentalizado pelo Estatuto da OAB, no artigo 22, §§ 6º e 7º, ao se conferir à advocacia a garantia de que

“aplica-se aos honorários assistenciais, compreendidos como os fixados em ações coletivas propostas por entidades de classe em substituição processual, sem prejuízo aos honorários convencionais

e que

“os honorários convencionados com entidades de classe para atuação em substituição processual poderão prever a faculdade de indicar os beneficiários que, ao optarem por adquirir os direitos, assumirão as obrigações decorrentes do contrato originário a partir do momento em que este foi celebrado, sem a necessidade de mais formalidades.”

Essa lei federal é válida. E constitucional, até este momento. Lendo o que diz a lei, pergunta-se: qual é o fundamento para exigir a manifestação de vontade individual de cada sindicalizado antes da proposição de ações coletivas envolvendo direitos trabalhistas? Isso esvazia a substituição processual.

O eventual excesso no valor de honorários é um argumento que perigosamente atinge o cerne do sistema de advocacia brasileiro. Imagine-se a advocacia ingressar em juízo contra o valor dos salários (e vantagens) do Poder Judiciário e do Ministério Público, com o argumento de que são elevados?

O instituto da substituição processual e o pagamento de honorários contratuais reveste-se de uma constitucionalidade chapada.  O dispositivo do Estatuto da OAB é claro. A Constituição alberga o poder de os sindicatos atuarem como substitutos processuais.

Mais: recentemente o STF entendeu que é constitucional restringir direitos trabalhistas por meio de acordos coletivos (Tema 1.046).  Então, a autonomia coletiva da vontade do sindicato o autoriza a celebrar acordos que restrinjam direitos trabalhistas, mas não o autoriza a ajuizar ações coletivas para os proteger?

A consequência previsível disso tudo é o enfraquecimento dos sindicatos. Dia a dia o poder dos sindicatos vem sendo fragilizado. Dificilmente causídicos vão se interessar em ajuizar ações coletivas para entidades sindicais. Preferirão ações plúrimas: teremos cem ações com dez pessoas em cada, em vez de uma ação do sindicato em nome de milhares de filiados.

Em síntese, inconstitucional é qualquer limitação a essas normas, pois violaria a decisão do STF sobre a autonomia coletiva da vontade. E, mais do que isso, colocaria um óbice absolutamente indevido ao direito de acesso à justiça, à tutela dos direitos trabalhistas pelo sindicato e à própria autonomia das entidades sindicais.

Logo, com toda lhaneza epistêmica com a qual sempre opero, insisto: a constitucionalidade do pagamento de honorários contratuais em ações coletivas trabalhistas diz respeito à autonomia do Direito. É sobre preservar a advocacia. É sobre proteger o trabalhador.

 


[1] STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 633 e seg.

  • é professor, parecerista, advogado e sócio fundador do Streck & Trindade Advogados Associados

Fonte Conjur

24 maio 2025

EaD no ensino jurídico: entre o potencial democrático e a qualidade humanista

Uma sala de aula não é feita apenas de carteiras e quadros; ela vive do encontro humano de ideias, da troca viva entre mestre e estudantes. Na era digital, esse encontro pode se dar mediado por telas e plataformas, ampliando fronteiras e democratizando o acesso, mas também suscitando temores de desumanização do ensino.

O recente Decreto n° 12.456, de 19 de maio de 2025, que institui a Nova Política de Educação a Distância (EaD) no ensino superior, trouxe esse debate para o mundo jurídico ao proibir a oferta de cursos de graduação em direito na modalidade exclusivamente a distância. A medida, que abrange também medicina, odontologia, enfermagem e psicologia, foi saudada por uns e questionada por outros, reativando a reflexão sobre como conciliar qualidade acadêmica e inclusão educacional.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) já alertava para os riscos de um “boom” de graduações em direito via EaD sem a devida estrutura: falta de interação real com professores, ausência de vivência forense e estágio supervisionado efetivo, e um possível “ensino bancário” no sentido freireano de educação meramente depositária de informações. Para o presidente nacional da OAB, Beto Simonetti, a expansão do formato à distância representaria um retrocesso na formação jurídica, constituindo-se em “mais uma ferramenta de precarização do ensino jurídico”. Não por acaso, a OAB celebrou publicamente a edição do Decreto nº 12.456/2025, identificando nele um compromisso com a qualidade acadêmica e a proteção do futuro advogado.

A importância do ensino presencial do direito revela-se ainda mais evidente quando se consideram as singularidades socioterritoriais das regiões onde os cursos jurídicos se encontram inseridos. Em consonância com as diretrizes nacionais, os projetos pedagógicos de curso (PPC) são elaborados pelas instituições de ensino superior de modo a refletir as projeções sociais, econômicas e ambientais do entorno imediato.

É o caso do curso de direito ofertado em Diamantina, pela UEMG (Universidade do Estado de Minas Gerais), cujo PPC incorpora, como componente curricular estruturante, a disciplina “Proteção Ambiental e Mineração”, em razão da relevância histórica e econômica da atividade minerária na região. A presença física de docentes e discentes locais, imersos em tal realidade, favorece o debate qualificado sobre os impactos jurídicos da mineração, os mecanismos normativos de proteção ao patrimônio histórico e os conflitos ambientais, contribuindo não apenas para a excelência formativa, mas também para a promoção da justiça ambiental e do desenvolvimento regional sustentável.

Integração entre academia e sociedade

Nesse cenário, torna-se fundamental a centralidade do corpo docente local na construção de uma teoria pedagógica que articule organicamente o saber jurídico abstrato à práxis forense e às mazelas sociais concretas da localidade. Professores enraizados detêm maior sensibilidade para as demandas específicas — como os litígios fundiários amazônicos, as disputas territoriais indígenas no Centro-Oeste ou os dilemas do direito agrário no interior paulista —, mas também operam como vetores de integração entre a academia e a sociedade.

São eles que fomentam projetos de extensão voltados à assessoria jurídica popular, estimulam grupos de pesquisa vocacionados aos problemas regionais e contribuem para o fortalecimento institucional dos entes públicos e comunitários. O engajamento docente transcende a função acadêmica, assumindo relevância constitucional ao colaborar com os objetivos fundamentais da República, consagrados no artigo 3º da Constituição: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização; e reduzir as desigualdades sociais e regionais.

Ademais, as atividades de extensão universitária e a produção acadêmica territorialmente orientadas desempenham papel insubstituível no adensamento do vínculo entre o curso jurídico e a comunidade em que se insere. Cursos de direito localizados em regiões costeiras, por exemplo, tendem a privilegiar a investigação em direito marítimo e ambiental marinho, enquanto aqueles sediados no semiárido nordestino podem orientar suas ações para o estudo jurídico da escassez hídrica e da desertificação.

O vínculo presencial entre estudantes, docentes e coletividades locais propicia, assim, não apenas a aplicação contextualizada do conhecimento jurídico, mas sobretudo a formação de um operador do direito dotado de consciência social e apto a intervir transformativamente em sua realidade. Trata-se, em última instância, de conferir concretude à função social da universidade pública, integrando ensino, pesquisa e extensão na construção de uma cidadania plena, enraizada e emancipadora.

Ulrich Beck, ao pensar o conceito de “sociedade do risco”, nos auxilia a compreender as complexas interações entre decisões institucionais e suas consequências não totalmente previsíveis no campo educacional. Em especial, Beck destaca que vivemos sob a égide de “incertezas fabricadas”, em que escolhas civilizacionais podem gerar consequências imprevisíveis, exigindo novas formas de controle e regulação. O campo da educação jurídica não escapa a essas reflexões: ao mesmo tempo em que a tecnologia apresenta possibilidades democráticas e inclusivas, também introduz riscos de uma formação tecnocrática, desumanizante e desvinculada do ethos jurídico-crítico tradicional.

Controle de expansão acelerada da EaD

A decisão regulamentar tomada pelo Decreto 12.456/2025 não emerge isolada. Antes constitui-se como uma resposta institucional coerente com movimentos regulatórios anteriores, como as Portarias MEC nº 2041/2023 e nº 528/2024. Ambas representam esforços no sentido de controlar uma expansão acelerada da EaD, visando a garantir padrões mínimos de qualidade e evitar o crescimento indiscriminado e comercial dos cursos jurídicos. O objetivo declarado é preservar um espaço humanizado, em que o professor se mantém como protagonista ativo, enquanto o estudante se engaja na tessitura de construção crítica do conhecimento, distanciando-se, portanto, do ensino meramente “bancário”, denunciado por Paulo Freire.

Spacca

O reforço regulatório encampado pelo Decreto 12.456/2025 traz consigo importantes questões jurídicas. Equilibrar a ampliação do acesso educacional com a garantia de qualidade envolve considerar diversos princípios constitucionais basilares. O direito à educação (artigo 205 da Constituição) impõe ao Estado não apenas ofertar vagas, mas assegurar que a educação propicie “o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Ou seja, expansionismo vazio, sem qualidade, contraria a própria razão de ser desse direito; formar “diplomados de papel”, sem aprendizado real, seria trair a promessa constitucional.

O desafio está em harmonizar quantidade com qualidade, inclusão com excelência. A nova regulação não nega o papel democratizante e inclusivo que a EaD pode exercer, desde que orientada por parâmetros pedagógicos rigorosos. A criação do modelo semipresencial evidencia o esforço governamental de explorar, de maneira prudente e equilibrada, as potencialidades tecnológicas disponíveis, ao mesmo tempo em que reconhece os riscos pedagógicos intrínsecos ao ensino remoto irrestrito.

Riscos de ensino automatizado e a democracia da tecnologia

Contudo, ao refletirmos a partir da perspectiva de Beck, uma questão se impõe: como lidar com a inevitável tensão entre o controle regulatório, que visa à qualidade pedagógica, e a necessidade premente de expandir o acesso educacional? Em outras palavras, como harmonizar a prevenção dos riscos associados ao ensino automatizado com as potencialidades democratizantes e territoriais que as tecnologias digitais oferecem?

Nesse cenário, o Decreto 12.456/2025 pode ser interpretado como um marco regulatório prudente, que reconhece tanto as potencialidades como os riscos da EaD. Ao estabelecer as condições para a oferta dos cursos jurídicos, a norma convida as instituições educacionais a um exercício contínuo de responsabilidade pedagógica e ética. A EaD não deve ser concebida como um mero instrumento econômico ou administrativo, mas sim como uma ferramenta potencialmente emancipadora e inclusiva, condicionada sempre a uma rigorosa qualidade educacional.

Uma aula de direito, seja no anfiteatro de uma velha faculdade, seja em videoconferência, ganha vida quando há interação genuína, debate orientado, provocação intelectual e acompanhamento próximo das atividades discentes. O bom professor de direito não é um “gravador de vídeo”; ao contrário, é um mentor que traduz a letra fria da lei em reflexão crítica sobre a justiça e a realidade social. Por isso, um curso jurídico a distância só cumprirá sua função se escapar do automatismo padronizante.

Humanizar o ensino jurídico significa recolocar o diálogo no centro, mesmo que mediado pela tecnologia. Nessa linha, Paulo Freire lembrava que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua construção”, um alerta contra a educação tecnocrática e autoritária que ecoa neste debate.

EaD não pode ser ensino frio e desconectado

Acerta a Nova Política de EaD ao enfatizar infraestrutura adequada nos polos, qualificação do corpo docente e interação de qualidade. Se essas diretrizes forem levadas a sério, evitarão que a EaD se torne sinônimo de ensino frio e desconectado. Ao contrário, a modalidade poderá revelar-se um instrumento de emancipação se houver metodologia verdadeiramente dialógica e compromisso institucional em acompanhar de perto o desempenho de cada estudante.

Diante de argumentos de parte a parte, é tentador imaginar a educação jurídica diante de uma bifurcação irreconciliável: ou abraçar a tecnologia sacrificando a qualidade, ou preservar a excelência pedagógica ao custo da exclusão de muitos. Entretanto, a experiência e o bom senso apontam um caminho de equilíbrio, uma regulação inteligente que evite os dois extremos. Não se quer a volta a um passado elitista em que só podia cursar Direito quem pudesse mudar-se para os grandes centros ou arcar com altas mensalidades presenciais. Tampouco se deseja um futuro distópico em que juristas se formem sem nunca terem debatido com colegas face a face ou sem o crivo inspirador de um mestre de verdade.

O Decreto 12.456/2025 busca essa mediania ao reconhecer modalidades híbridas e ao refinar as exigências de qualidade para a EaD, sem bani-la por completo do cenário educacional. É crucial que a implementação dessa política venha acompanhada de diálogo contínuo com as universidades, os estudantes e os órgãos de classe. Regulamentação equilibrada não deve significar engessamento, mas sim parceria em prol do aperfeiçoamento do ensino.

A OAB e as entidades acadêmicas podem atuar não apenas como fiscalizadoras críticas, mas como colaboradoras na definição de parâmetros de estágio, práticas simuladas e avaliação dos cursos de direito. Da mesma forma, o MEC precisa manter abertos canais para, se for o caso, permitir projetos pedagógicos inovadores que consigam comprovar equivalente qualidade formativa, sob rigorosa supervisão. Ciência e educação evoluem, e a norma jurídica deve acompanhar esse movimento sem perder de vista seus fundamentos.

Ensino não pode ser conservador ou desprezar humanismo

O ensino jurídico brasileiro está diante de uma mudança necessária: nem um conservadorismo míope que rejeite as ferramentas digitais, nem um tecnicismo deslumbrado que despreze a dimensão humana da aprendizagem. O decreto da Nova Política de EaD, ao impor freios, acena para a construção de um paradigma onde professor e tecnologia atuem em sinergia. Resta-nos, como comunidade jurídica e acadêmica, ocupar esse espaço de construção de forma criativa e responsável. O futuro da educação jurídica não precisa repetir os vícios do passado nem temer os instrumentos do presente: pode abraçar a inovação com espírito crítico, formando advogados conectados com seu tempo e com sua terra, sem abrir mão da sólida base humanística.

Que consigamos, em cada curso de direito preservar a essência do diálogo socrático: o questionamento, a escuta, o debate plural. É aí que se forja o operador do direito comprometido com a Justiça. Ao final, como lembra a poetisa Cora Coralina no verso em epígrafe, ensinar e aprender são faces de uma mesma moeda, um processo coletivo de crescimento. Quando docentes e discentes crescem juntos, mediados pelo respeito e pela troca, não importa se unidos por um campus físico ou por uma plataforma virtual: a educação deixa de ser “bancária” e torna-se emancipadora. Esse deve ser o norte da política educacional, a bússola para navegarmos com segurança e esperança pelas novas fronteiras do ensino jurídico.

  • é doutor em Direitos pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV), professor adjunto na Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), coordenador-geral de Análise de Conflito de Interesses na Comissão de Ética Pública da Presidência da República, finalista do Prêmio Jabuti Acadêmico (2024) e advogado.

13 maio 2025

XIII Fórum de Lisboa abre inscrições para envio de artigos

 Estão abertas até o próximo dia 26 as inscrições para o envio de artigos que serão apresentados nas Mesas de Pesquisa do XIII Fórum de Lisboa. Podem participar da seleção mestres, doutores e alunos de pós-graduação stricto sensu do Direito e das Ciências Sociais, de instituições brasileiras e estrangeiras. Os trabalhos devem ser inéditos.

FreePik
pessoa, escrevendo

Serão selecionados 21 artigos e as apresentações ocorrerão de forma presencial durante o XIII Fórum de Lisboa

O XIII Fórum de Lisboa será promovido nos dias 2, 3 e 4 de julho deste ano, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. As Mesas de Pesquisa são promovidas pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e pela FGV Justiça.

O objetivo é divulgar e ampliar o alcance dos estudos acadêmicos e científicos desenvolvidos em programas de mestrado e doutorado. Neste ano, a iniciativa promove a discussão a partir do tema central da 13ª edição do evento: “O mundo em transformação — Direito, democracia e sustentabilidade na era inteligente”.

Os pesquisadores interessados devem submeter trabalhos dentro de três eixos temáticos: “Direito, economia e inovação na era digital”; “Democracia e direitos humanos na sociedade tecnológica”; e “Sustentabilidade e justiça social na reconstrução do futuro”. Serão selecionados 21 artigos e as apresentações ocorrerão de forma presencial durante o XIII Fórum de Lisboa.

O processo de submissão é gratuito e online, por meio de formulário de inscrição (clique aqui para acessar). A previsão é de que o resultado preliminar seja divulgado no dia 9 de junho. A participação deve ser confirmada até o dia 20 de junho.

Os autores dos trabalhos selecionados terão isenção da taxa de inscrição no XIII Fórum de Lisboa, mas terão de arcar com os custos de passagem, hospedagem e alimentação. A apresentação do trabalho depende do comparecimento de pelo menos um dos autores de forma presencial.

Todos os artigos aprovados e apresentados serão publicados no volume que trará as transcrições das apresentações do XIII Fórum de Lisboa, que ficará disponível no site do evento em 2026.

Nesta edição, o primeiro colocado de cada eixo temático ainda será convidado para apresentar seu trabalho em evento científico, que ocorrerá em um ano a partir da data de divulgação do resultado e será promovido pela FGV Justiça ou pelo IDP, com os custeios de passagem e hospedagem cobertos pela FGV Justiça.

Link Inscrição https://airtable.com/login?continue=%2Fappe213rL8SI2wwfI%2FpagTEOp7e2D42amKg%2Fform 

Fonte Conjur