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10 agosto 2025

27 julho 2025

Contornos da nova forma de julgamento virtual nos tribunais: Res. 591 do CNJ

 Em agosto iniciam-se os julgamentos virtuais regulamentados pela Resolução 591 do Conselho Nacional de Justiça (aqui). O texto aqui descreve os contornos da nova forma de decisão dos tribunais, destacando os pontos relevantes, os impasses e as novas estratégias de apresentação de argumentos, antes e durante as sessões de julgamento. Embora adiada a vigência por seis meses, o prazo de eficácia inicia-se agora em agosto. Logo, é conveniente entender melhor o funcionamento da nova modalidade de julgamento que deve ser a regra, reservando-se as sessões presenciais para casos específicos e relevantes.

Pontos iniciais destacados

Resolução 591 do CNJ: A resolução estabelece os requisitos mínimos para julgamento de processos em ambiente eletrônico no Poder Judiciário.

Definição de sessão de julgamento: Representa o ato de julgamento virtual e assíncrono de um caso durante o prazo máximo de até seis dias úteis descrito pela Res. 591, com os principais atributos/características:

Funcionamento da sessão virtual: (a) Realização: em ambiente totalmente virtual, sem interação física; (b) Forma: assíncrona, com a inclusão de votos do revisor e vogais durante o prazo em que estiver aberta (sem interação síncrona); (c) Sistemas do processo eletrônico: PJE, Eproc etc, conforme cada tribunal; (d) Julgamento público: público, disponível a qualquer pessoa, salvo casos em segredo de justiça, somente enquanto a sessão estiver no status “Sessão Aberta”; (e) Acesso: direto, via sistema, em tempo real; (f) Duração: de até (seis dias úteis entre o início e o término; e, (g) Início e encerramento: previamente estabelecidos pelo presidente do órgão julgador, iniciando-se à 0h00min do dia inicial e com o horário final nos termos fixados pelo órgão julgados. A abertura e encerramento são automáticos, decorrido o prazo mínimo fixado.

Tipos de sessão virtual de julgamento(a) Sessão virtual ordinária: a marcada conforme as normas processuais, com intimação e julgamento virtual; ou, (b) Sessão virtual extraordinária: sessão especial com a finalidade de analisar em casos de urgência (liminares, tutelas etc.) que aceita apenas a inclusão de processos em mesa, sem prazo para publicação ou realização.

Status da sessão de julgamento: (a) Aberta: acesso disponível a qualquer pessoa, a partir da 00h00min  do primeiro dia e enquanto ativado o status: “Sessão Aberta”, ressalvados os casos de segredo de justiça (acesso restrito); e, (b) Encerrada: término automático pelo sistema no limite temporal previamente fixado.

Indisponibilidade do sistema: na hipótese de indisponibilidade do sistema do tribunal, o prazo será reaberto, sessão adiada ou transferida. É ônus das partes os meios de acesso. Eventual inacessibilidade da parte ou ausência de recursos disponíveis (internet; luz etc.) não justifica a ampliação do prazo ou a formulação de pedidos a destempo.

Com o fim de melhorar a abordagem, seguem dois procedimentos operacionais padrão e um glossário, com base na Resolução 591/CNJ, instruções do Eproc, do trabalho realizado pelo desembargador João Marcos Buch (TJ-SC) e do assessor Alexandre Simas Santos (TJ-SC).

Spacca

Aliás, Procedimento Operacional Padrão [POP] é o conjunto de instruções escritas e detalhadas que documentam uma rotina, atividade ou processo repetitivo, com a função de padronizar a execução de tarefas específicas para garantir consistência, qualidade, segurança e eficiência, orientado ao treinamento, à redução de erros e à conformidade [compliance; accountability]

POP: sessão de julgamento virtual

  1. Objetivo

Estabelecer procedimento padronizado para condução de sessões de julgamento virtuai, a teor da Resolução 591 do CNJ.

  1. Responsáveis
  • Presidente do órgão julgador: designação de datas de início e encerramento
  • Gabinetes: disponibilização de minutas e votação
  • Secretário da Câmara: publicação da ata no Djen
  1. Procedimentos

3.1 Preparação da sessão

3.1.1 Cronograma

  • Acessar menu “Cronograma de Sessões de Julgamento”
  • Definir data de início (horário automático: 0h00min)
  • Estabelecer data de encerramento (máximo seis dias úteis)
  • Para casos urgentes: marcar “Sessão Virtual Extraordinária”

3.1.2 Sessão virtual extraordinária

  • Utilizar apenas para casos de excepcional urgência
  • Permitir somente inclusão de processos em mesa
  • Não há prazo limite para publicação ou realização

3.2 Disponibilização de minutas

3.2.1 Requisitos para publicação

  • Disponibilizar minutas antes da data e horário de início da sessão
  • Minutas ficam visíveis para outros gabinetes após disponibilização
  • Público externo acessa apenas após início da sessão

3.2.2 Sustentação de argumentos

  • Configurar “Sustentação de argumentos” quando solicitada
  • Permitir envio de arquivo eletrônico pelos procuradores ou Ministério Público
  • Visualização na tela de sessão de julgamento, com a apresentação dos argumentos por meio audiovisual

3.3 Durante a sessão

3.3.1 Status da sessão

  • Sistema altera automaticamente para “Sessão Aberta” na data de início
  • Encerramento automático no horário final programado

3.3.2 Votação obrigatória

  • Todos os julgadores devem proferir voto obrigatoriamente
  • Sistema impede salvamento sem todos os votos da composição, transferindo automaticamente para sessão física.
  • Exceção: processos com pedido de vista podem ser finalizados diante do somatório de votos anteriores.

3.3.3 Tipos de votos públicos
Tipos de votos são exibidos no Painel Público:

  • Acompanha a divergência
  • Acompanha o(a) relator(a)
  • Divergência
  • Pedido de vista
  • Ressalva
  • Voto
  • Voto revisão
  • Não concordância com sessão virtual

3.4 Destaques especiais

3.4.1 Novos tipos de destaques

  • “Não concordância com sessão virtual”: Para julgadores excluírem processo da sessão virtual
  • “Esclarecimento de matéria de fato”: Para procuradores e Ministério Público formularem pedidos de esclarecimentos

3.4.2 Configuração de destaques

  • Marcar “Incluir no Extrato de Ata” para exibição pública
  • Data e horário reais da votação são exibidos ao público

3.5 Tratamento de objeções

3.5.1 Objeção ao julgamento virtual

  • Procuradores e Ministério Público podem peticionar objeção motivada e fundamentada contra o julgamento virtual, sem destaque automático, com a subsequente decisão do relator quanto à pertinência dos argumentos. A mera objeção não é mais suficiente, exigindo-se a apresentação de motivos concretos e relevantes.

3.6 Encerramento e publicação

3.6.1 Resultados de julgamento

  • Processos sem votos completos são adiados para sessão seguinte.
  • A ausência de voto será registrada em ata.
  • Após encerramento, os julgadores não podem mais votar, criar destaques ou alterar o voto.

3.6.2 Publicação da ata

  • Secretário da Câmara publica ata no Djen
  • Sistema envia extratos de ata (exceto processos “Não apresentado”), vedado o cancelamento e aceita a retificação justificada da ata de julgamento.
  1. Desafios e impasses
  • Risco de a divergência ser ignorada: A ausência de estruturação quanto ao formato dos votos proferidos mantém as dificuldades decorrentes da inclusão de preliminar ou argumento divergente por parte do revisor ou dos vogais, porque os sistemas não estão preparados para identificar os pontos, nem submeter a questão novamente aos demais julgadores. Por exemplo, se o vogal suscitar uma divergência, seria lógico que a questão fosse votada por todos os demais, especialmente se for prejudicial ao mérito. No entanto, como não há controle sobre a divergência, nem a necessidade de “confirmação” do voto proferido, sequer a ciência automática de eventual divergência total ou parcial, caso os demais membros não retornem ao painel de julgamento, o julgamento pode se encerrar sem a consideração das questões suscitadas pelos demais julgadores. O problema não é novo. Por força da falta de metodologia e de formulários que estruturem os votos, incluídos no sistema em documento único, o risco de uma questão formulada pelos demais julgadores ser simplesmente ignorada é grande. Um mecanismo simples poderia mitigar o problema: se algum julgador apresentar qualquer divergência, os demais são obrigados a se manifestar sobre o ponto levantado, confirmando ou alterando o voto anteriormente proferido.
  • Sustentação oral reinventada: Diante do novo formato do julgamento, além do envio de memoriais, surge a possibilidade do envio de arquivo audiovisual. Mesmo antes da entrada em vigor da Res. 591/CNJ, tenho recebido arquivos que além da imagem e da voz do procurador, aproveitam a oportunidade para destacar os pontos relevantes do caso, por meio da imagem dos documentos, inclusão de partes dos áudios das testemunhas, prints dos autos, além do uso inteligente de recursos de visual law e de animation law, especificamente reproduções em 3D produzidas com cuidados técnicos e, para os mais atualizados, por meio de nuvem de pontos. O efeito cognitivo é imenso, favorecendo o entendimento e a compreensão do caso de modo global. Embora certa parcela se oponha ao julgamento virtual, é irracional perder a oportunidade de melhorar a comunicação com os julgadores por meio do recurso audiovisual disponível. Reinventar-se faz parte do desafio. Confira alguns exemplos visuais e de animações aqui.

4 – POP: objeção ao julgamento virtual

  1. Objetivo

Estabelecer procedimento padronizado para o tratamento de objeções ao julgamento virtual apresentadas por procuradores, garantindo o devido processo legal e a análise adequada das solicitações.

  1. Responsáveis
  • Procuradores das partes: apresentação da objeção
  • Relator: análise da objeção e decisão
  • Secretaria: movimentação processual
  1. Definição

A objeção ao julgamento virtual é uma nova petição intermediária que permite aos procuradores solicitar que o processo não seja julgado na modalidade virtual, sendo direcionado para julgamento presencial.

  1. Procedimentos

4.1 Apresentação da objeção pelo advogado

4.1.1 Legitimidade

  • Procuradores constituídos nos autos podem apresentar objeção ao julgamento virtual.

4.1.2 Forma de apresentação

  • Apresentar por meio de petição no sistema do processo eletrônico, devidamente motivada e fundamentada.
  • Utilizar da opção “objeção ao julgamento virtual”

4.1.3 Prazo

  • Deve ser apresentada antes do início da sessão de julgamento. Iniciada a sessão, com a disponibilização dos votos, o julgamento já se iniciou, sendo contraditório o pedido, especialmente se o julgamento for desfavorável.

4.1.4 Conteúdo da petição

  • Identificação do processo
  • Motivação e fundamentação da objeção, não bastando a mera negativa. Demonstrar a relevância e pertinência do julgamento físico.
  • Pedido expresso para retirada do julgamento virtual
  • O fato de todos os procuradores concordarem pela exclusão do julgamento virtual é insuficiente.

4.2 Procedimento pelo sistema

4.2.1 Movimentação automática

  • Encaminhamento automático ao relator para decisão. Não há contraditório sobre o pedido.

4.3 Análise pelo relator

4.3.1 Deliberação sobre da objeção

  • Análise da motivação e fundamentação apresentada pelo procurador (pertinência)

4.3.2 Decisão sobre a objeção

  • Deferida: exclusão da sessão virtual e inclusão na pauta física
  • Indeferida: manutenção do processo na sessão virtual

4.3.3 Comunicação da decisão

  • A decisão será publicada na página dos autos, com intimação às partes.

4.4 Prazos e cronograma

4.4.1 Para o procurador

  • Apresentar objeção antes do início da sessão de julgamento virtual
  • Prazo máximo: até a data de abertura da sessão de julgamento virtual

4.4.2 Para o relator

  • Analisar a objeção no prazo imediatamente (24 horas)
  • Decidir antes do início da sessão virtual de modo motivado e fundamentado. Se o pedido for anterior, pode ser analisado depois de iniciada. No entanto, diante da boa-fé objetiva, a partir da intimação da pauta, abre-se o prazo para o pedido de objeção. Pedidos de véspera podem ser mal interpretados.
  • A decisão é irrecorrível, prescindindo da oitiva da parte contrária.

4.4.3 Compatibilidade com sessão extraordinária

  • Em sessão virtual extraordinária, a objeção deve ser analisada com maior celeridade devido à urgência e o tipo de julgamento
  1. Fluxograma resumido
  1. Procurador → Petição de objeção ao julgamento virtual
  2. Sistema → Direciona para localizador petição
  3. Relator → Análise da objeção
  4. Decisão → Deferimento ou indeferimento do pedido.
  5. Comunicação → Intimação das partes

5 – Glossário de termos da sessão de julgamento virtual

Este glossário define termos e conceitos importantes relacionados à sessão de julgamento virtual.

A
Ata da Sessão de Julgamento: Documento que registra os acontecimentos e resultados da sessão de julgamento. O Secretário da Câmara pode publicá-la no Djen (Diário da Justiça Eletrônico Nacional). Após agendar a publicação, o cancelamento do encerramento da ata para alterações não é possível, sendo necessária a “Retificação de ata” em caso de correção.

C
Consulta pública – Painel público de julgamento virtual:
Área destinada as partes e procuradores podem consultar os votos em tempo real durante a sessão virtual aberta. Nem todos os votos são exibidos (acompanha a divergência, acompanha o(a) relator(a), divergência, pedido de vista, ressalva e voto).

Cronograma de sessões de julgamento: Exibição das datas de início e fim da sessão virtual. O horário de início é sempre 0h00min, e o horário final depende do órgão julgador.

D
Destaques: Comentários ou informações adicionais sobre o processo, em especial: “Não concordância com Sessão Virtual” (para excluir o processo da sessão virtual) e “Esclarecimento de matéria de fato” (para esclarecimentos sobre matéria de fato pelos procuradores e MP).

DjenMeio de publicação oficial dos atos judiciais, incluindo a ata da sessão de julgamento.

E
Extrato de ata: Resumo dos principais pontos da ata da sessão de julgamento.

M
Minutas: Rascunhos dos votos. As minutas só são disponibilizadas para o público externo quando a sessão está no status “Sessão virtual aberta” e as minutas foram disponibilizadas pelos gabinetes antes da data e horário de início da sessão.

N
Não concordância com sessão virtual: Destaque utilizado pelos magistrados para indicar que um processo deve ser excluído da sessão virtual.

O
Objeção ao julgamento virtual: Pedido feito por procuradores para que um processo não seja julgado virtualmente, seguido de decisão do relator (irrecorrível e sem prévio contraditório).

P
Pedido de vista: Solicitação de um membro do colegiado para analisar melhor o processo antes de votar.

R
Resolução 591 do CNJ: Resolução do Conselho Nacional de Justiça que dispõe sobre os requisitos mínimos para o julgamento de processos em ambiente eletrônico.

S
Sessão aberta: Status da sessão virtual durante o período em que os votos estão sendo computados e podem ser consultados pelo público.

Sessão de julgamento virtual: Sessão de julgamento realizada em ambiente virtual, de forma assíncrona, com duração de até 6 dias úteis, com datas de início e encerramento designadas.

Sessão virtual extraordinária: Sessão virtual criada para casos de excepcional urgência, com a inclusão de processos em mesa, sem prazo limite para publicação ou realização.

Sustentação de argumentos: Novo tipo de sustentação oral que permite ao procurador enviar um arquivo eletrônico com sua sustentação.

V
Votação: Processo de votação dos membros do colegiado durante a sessão virtual. Os votos devem ser lançados obrigatoriamente.

  • é juiz de Direito de 2º grau do TJ-SC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina) e doutor em Direito e professor da Univali (Universidade do Vale do Itajaí).

Fonte Conjur

26 julho 2025

A crise do Direito do Trabalho e a atualidade dos seus princípios

Conforme ressaltou Nestor de Buen (“O Estado do mal-estar”, Revista LTr, São Paulo, ano 62, nº 5, 1998), o Direito do Trabalho representa três fases: a primeira é a fase das lutas dos trabalhadores por melhores condições de vida e de trabalho, diante das condições subumanas em que viviam; a segunda é a fase das conquistas, do chamado bem-estar social, em que os trabalhadores passaram a ter e usufruir de adequadas condições de trabalho; e, finalmente, a terceira fase, atualmente vivida no mundo inteiro, que é por ele chamada de estado do mal estar, em que as conquistas são cada vez mais difíceis e os trabalhadores estão perdendo o que conquistaram por meio de muitas e sacrificadas lutas.

Spacca

Segundo esse jurista mexicano, tornou-se moda imputar ao chamado estado do bem-estar social as causas reais da crise econômica. Nesse sentido, foram escolhidas duas vítimas propícias: a seguridade social e o Direito do Trabalho. Pelos rumos da Grã-Bretanha, Margareth Thatcher e, em seguida, seu sócio americano, Ronald Reagan lideraram a feroz campanha contra o chamado estado do bem-estar, ajudados pelas agressões acadêmicas da Escola de Chicago, de Nilton Friedman.

Uma frase desse guru do neoliberalismo, reproduzida por Alfredo Mallet, numa reunião do México, não deixa lugar para dúvidas: “O conjunto de medidas conhecidas sob a capciosa denominação de seguridade social tem efeitos tão nefastos sobre a economia de um país como a política de salários mínimos, assistência médica para determinados grupos, habitações populares, preços agrícolas subvencionados etc.

Na concepção neoliberal, como asseverou Nestor de Bueno, o bem-estar social pertence ao âmbito privado, ou seja, deve ser gerado pelo esforço individual e resolvido em família ou no mercado.

Por conta desse estado de coisas, que ninguém pode negar de sã consciência, vários têm sido os ataques ao Direito do Trabalho, que caminham concretamente para a ruptura dos seus princípios fundamentais, para a volta ao contrato civil clássico, para a abolição do princípio da continuidade da relação de emprego, para as formas temporárias e precárias de contratação, como terceirização, quarteirização, trabalho temporário, intermediação de mão-de-obra, pejotização, plataformização, modificação in pejus dos contratos coletivos, revogação do princípio in dubio pro operario e criação do princípio in dubio pro empresário.

São políticas incentivadas ao extremo pela maioria dos governos, flexibilização irresponsável e desregulamentação do direito laboral, buscando-se, em primeiro lugar, a diminuição dos custos do trabalho a qualquer custo, desrespeitando direitos humanos básicos e elementares, levando-se, com isso, a inevitáveis precarizações das condições de trabalho.

Autonomia decisória

Na verdade, vive-se hoje uma realidade em que já não mais se fala em soberania nacional como instrumento de proteção dos direitos mínimos do cidadão. Nesse sentido, o professor Celso Antônio Pacheco Fiorillo (O direito de antena em face do direito ambiental no Brasil, p. 72. São Paulo: Saraiva, 2000), ao abordar sobre a perda da autonomia decisória dos estados ressaltou a interferência e fiscalização dos mercados financeiros por entidades semipúblicas internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos EUA, responsáveis pelo Consenso de Washington.

Parece que, ao contrário do que defendem alguns reformistas trabalhistas, faz-se necessário cada vez mais o fortalecimento dos princípios informadores do Direito do Trabalho na atualidade, como única forma de não se permitir o retorno do homem trabalhador às condições de indignidade humana que reinavam anteriormente à criação da proteção trabalhista. O que já se está vendo por esse mundo afora são cada vez mais contratações fora das regras trabalhistas, jornadas de trabalho de 12 a 14 horas diárias, sem intervalo para refeição e descanso, sem DSRs, sem salário mínimo, sem direito básicos que dignificam a pessoa humana, tudo em nome da modernização das relações de trabalho.

Eis, para aqueles que ainda não se aperceberam da frieza e desumanidade do capitalismo globalizante, o outro lado dos produtos competitivos à custa da exploração impiedosa pelos donos do capitalismo devastador, o qual, embora não se queira perceber, pode estar caminhando para a sua própria destruição.

As consequências sociais danosas desse pensar capitalista precisam ser pensadas por quem tem compromisso com a cidadania e com o ser humano, como ressaltou Fábio Conder Comparato (“Povos dominados do mundo, uni-vos: Folha de S. Paulo de 17/8/2001).

Importante e sempre atual para os que operam o Direito foi o conselho do jurista Miguel Reale (Lições preliminares de direito, p. 195, 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1991), assim escrito: cumpre a nós, juristas, não perdemos de vista o papel que nos cabe, para não colocarmos o nosso peso do lado errado”.

A indignação de Comparato e o conselho de Miguel Reale são de uma oportunidade ímpar e merecem reflexão, porque no momento em que vive a humanidade, “dominada” pelas forças capitalistas e financeiras externas e pelo mais radical discurso neoliberal, a produção e aplicação do Direito têm saído do campo do poder político e da responsabilidade social para os domínios do poder econômico-financeiro, com graves rupturas sociais. Tudo é regulado pelo mercado, em nome da manutenção dos princípios econômicos salvaguardadores dos interesses internacionais dos países que estabelecem e escrevem a cartilha a ser seguida pelo resto do mundo. Essa é a verdade, que muitos parece não perceberem.

  • é professor titular do Centro Universitário UDF/Mestrado em Direito e Relações Sociais e Trabalhistas, membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, doutor em Direito das relações sociais pela PUC-SP, consultor jurídico, advogado, procurador regional do Trabalho aposentado e autor de livros jurídicos, entre outros, Ação Civil Pública na Justiça do Trabalho.


Fonte: https://www.conjur.com.br/

25 julho 2025

Como funciona a correção de parcelas em contratos imobiliários

 Os contratos imobiliários são muito comuns. Todos que têm a intenção de adquirir imóveis farão parte de contratos de compra e venda e, com isso, deverão se submeter aos prazos de entrega, forma de pagamento das prestações e condições previstas no instrumento jurídico.

Um dos pontos que tem gerado discussão não é muito conhecido. Mas merece atenção. Trata-se da forma de correção monetária das parcelas previstas em contrato.

Melhor explicando. Em regra, contratos inferiores a 36 meses não podem prever que a correção das parcelas seja feita de forma mensal, isto é, o comprador não deveria efetuar o pagamento de sua parcela com algum tipo de correção monetária mensal.

Isso porque a Lei 10.931/2004, que aborda questões inerentes a créditos imobiliários, prevê que não poderá haver este tipo de correção da moeda em contratos com prazo inferior a 36 meses:

Art. 46. Nos contratos de comercialização de imóveis, de financiamento imobiliário em geral e nos de arrendamento mercantil de imóveis, bem como nos títulos e valores mobiliários por eles originados, com prazo mínimo de trinta e seis meses, é admitida estipulação de cláusula de reajuste, com periodicidade mensal, por índices de preços setoriais ou gerais ou pelo índice de remuneração básica dos depósitos de poupança.

Correção mensal impacta valor do negócio

O que isso significa? Que o comprador não poderá pagar qualquer tipo de correção mensal nas parcelas em contratos inferiores a 36 meses. E a correção monetária, considerando o valor alto das parcelas, pode impactar muito no valor total do negócio.

Gesrey/Freepik

Algumas construtoras/incorporadoras, porém, têm utilizado um argumento para cobrarem correção mensal nas parcelas: inserção de uma parcela ínfima de R$ 1.000 no 37º mês, que não representa nem 1% do valor global do contrato.

Mas os tribunais estão atentos. Foi o que decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo em caso recente:

APELAÇÃO. Ação de revisão contratual com pedido de repetição de indébito. Promessa de compra e venda de imóvel. Sentença de procedência. Recursos de ambas as partes. EXAME: artigo 46 da Lei n. 10.931/2004 que expressamente prevê a possibilidade incidência mensal de correção monetária nos casos de financiamento imobiliário com prazo mínimo de 36 meses. Inclusão de parcela adicional com valor irrisório com o intuito de ultrapassar o prazo mínimo legal e possibilitar a atualização mensal das prestações contratuais. Abusividade. Má-fé da parte requerida evidenciada. Engano não justificável. Devolução em dobro dos valores cobrados de forma indevida, correspondentes à diferença entre a correção monetária mensal e a anual. Aplicação do artigo 42 do CDC. Sentença reformada em parte. RECURSO DA PARTE AUTORA PROVIDO. RECURSO DA PARTE REQUERIDA NÃO PROVIDO. (TJSP;  Apelação Cível 1046611-48.2024.8.26.0100; Relator (a): Celina Dietrich Trigueiros; Órgão Julgador: 34ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 21ª Vara Cível; Data do Julgamento: 30/06/2025; Data de Registro: 30/06/2025)

Parcela final como forma de correção

Em resumo, apesar de a maioria das vezes os contratos serem de curta duração (alguns com apenas 12 meses), algumas empresas têm inserido uma parcela ínfima de R$ 1.000,00 no 37º mês do contrato para que possam cobrar do comprador correção mensal sobre todas as parcelas. Ou seja, para que respeitem a periodicidade prevista no artigo 46 da lei acima mencionada. Periodicidade, como visto, artificial.

O procedimento, é bem verdade, não é unânime. A maioria das corretoras respeita a periodicidade legal. Aliás, e não menos importante, as empresas podem exigir a correção anual das parcelas, assim como prevê o artigo 28 da lei que instituiu o Plano Real:

Art. 28. Nos contratos celebrados ou convertidos em REAL com cláusula de correção monetária por índices de preço ou por índice que reflita a variação ponderada dos custos dos insumos utilizados, a periodicidade de aplicação dessas cláusulas será anual.”

O que é vedado, como detalhado, é a correção mensal das parcelas em contratos inferiores a 36 meses.

O fato é que cabe às construtoras evitarem a judicialização e ações com esse propósito, pois a lei permite correções anuais que tornam o contrato de compra e venda equilibrado em relação à volatilidade da moeda.

Confeccionar um contrato equilibrado e justo contribui para a confiança de todos os envolvidos e, claro, diminui custos da judicialização, como custas processuais, honorários advocatícios, entre outros.

20 julho 2025

Luiz Gama e suas lições aos profissionais do Direito

Luiz Gonzaga Pinto Gama, natural de Salvador, filho de uma africana criada em casa de família rica, graciosa e inteligente. Viveu ela com um homem que pagou por sua alforria e com ele teve o filho Luiz que, desde logo, destacou-se pela inteligência. Após exercer algumas atividades profissionais, passou a exercer a advocacia na sua cidade e depois em São Paulo. Atendendo os escravos nas suas diversas necessidades — mas não só eles —, tornou-se conhecido pela inteligência e combatividade. Nas palavras de Pedro Paulo Filho, “empenhava-se de corpo e alma, fazia-se matar pelo bem… Pobre, muito pobre, deixava para os outros tudo que vinha das mãos de algum cliente mais abastado”. [1]

Spacca

Luiz Gama não era graduado em Direito. No Brasil, foi somente após a Proclamação da Independência que vieram a ser criados, no ano de 1827, os dois primeiros estabelecimentos na área do ensino jurídico, as faculdades de Direito de São Paulo (SP) e de Olinda (PE). A falta de advogados era suprida pela permissão dada a pessoas que dominavam a prática e, com isto, obtinham autorização para atuar em Juízo. Eram os provisionados que, na linguagem popular, eram chamados de rábulas. Luiz Gama era um deles.

Experiência como funcionário público

Luiz Gama, no início de sua vida profissional, foi amanuense de repartição policial, cargo que exerceu por 12 anos. Amanuense era um funcionário encarregado de tirar cópias, fazer registros e outras atividades administrativas. Os amanuenses, à época, eram nomeados e demitidos por simples ato do chefe de polícia (atual secretário de Segurança).

Em 1869, Luiz Gama foi demitido do seu cargo pelo chefe de polícia, sob a justificativa de que vinha tratando de maneira inconveniente e desrespeitosa o suplente de juiz municipal, em processos relacionados com direitos dos escravos.

Inconformado, publicou sua defesa no jornal Correio Paulistano, [2] afirmando que o ato, na verdade, era fruto de petição feita ao juiz municipal Rego Freitas para que o africano Jacyntho, importado ilegalmente, pois a lei proibia tal conduta, fosse-lhe entregue em depósito.

A coragem e a força da argumentação impressionam. Dá-se um exemplo, com a menção final dirigida ao juiz municipal que indeferiu sua petição a favor do escravo detido: Quanto ao sr. dr. Rego Freitas, direi apenas que é um pobre de espírito, para quem Deus aparelhou o reino do céu[3]

Registre-se o fato de que, na época, inexistia a proibição de funcionário público peticionar em Juízo e até mesmo as funções judiciais e policiais se misturavam, sendo comum juízes exercerem cargos na área da segurança pública.

Advocacia

Após a demissão, dedicou-se Luiz Gama de corpo e alma à advocacia. E o fez com todo empenho, como era próprio de sua personalidade. E assim publicou:

Reprodução
Trecho de Luiz Gama

A disponibilidade era a regra e o anúncio equivalia a dizer: quero trabalhar! Aceitaria defesas criminais na capital e no júri em qualquer município da província. Mas não se confunda o júri da época com o atual. A competência era abrangente, alcançava quase todos os crimes e não apenas os dolosos contra a vida, como agora.

Curiosa a menção no aviso de que se colocava à disposição na sua residência, na rua Vinte e Cinco de Março, nº 99. Referida rua, hoje conhecida por seu intenso comércio, recebe pessoas de todo o Brasil em um movimento intenso. Mas na época era um pacato local de residências.

Combatividade como regra

A principal característica da personalidade de Luiz Gama era a combatividade. Altaneiro, inteligente, dono de um rico vocabulário, o que faz pressupor muita leitura, irônico e persistente, empenhava-se na defesa de seus clientes com um vigor inesgotável. Suas defesas tinham como foco principal os escravos, pois, na época, muito embora ainda não reconhecida a abolição, muitas leis os protegiam e nem sempre eram cumpridas. Defendia-os gratuitamente, sustentando-se com o que recebia de pessoas de posses que o procuravam, inclusive de cor branca.

Reprodução
Trecho Luiz Gama
O Tribunal do Júri era o lugar em que mais se destacava, por conta de sua inteligência brilhante, raciocínio rápido e eloquência. No caso noticiado ao lado, consta: O réu foi absolvido, e o dr. Juiz de direito apelou. As absolvições por ele alcançadas eram rotina, sendo a notícia mencionada uma delas. O curioso é que o juiz de direito apelou da sentença, fato este inconcebível na atualidade.

Luiz Gama, convencido do direito dos que defendia, não se impunha limites. Suas defesas extrapolavam os processos, pois eram feitas também através da imprensa. Publicação sua no Correio Paulistano relata o caso da escrava Rita, alforriada por seu dono e que, para requerer o reconhecimento de sua liberdade, necessitava de um curador. O juiz municipal despachou, mandando juntar provas. Gama, mesmo sustentando que estas poderiam vir na instrução, juntou uma carta-testamento (ológrafo) do proprietário de Rita, na qual manifestava seu desejo de libertá-la. Todavia, outro juiz municipal despachou: Justifique. Inconformado, Gama publica seu inconformismo através da imprensa, cita precedente oposto de juiz norte-americano e, ao final, afirma:

Escrevendo estas linhas visei tão somente o direito de uma infeliz, que tem contra si até a animadversão da Justiça, e nunca foi, nem é, intenção minha molestar, ainda que de leve, dois respeitáveis jurisconsultos, caracteres altamente considerados, que tenho em conta e prezo como excelentes amigos[4]

Insubordinado pela própria natureza, a conduta de Luiz Gama ia além dos tribunais. Conta Almeida Nogueira, o grande historiador da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, que Gama tratava todos os negros, mulatos e até brancos nos quais via sinais de mistura racial, por primo. Ao tentar libertar uma escrava de um certo comendador Loureiro, por ele foi tratado por “mulato muito atrevido”. Gama, que considerava Loureiro descendente de escravos, porque tinha cabelos bem crespos, ao encontrar-se com ele disse:

Sr. comendador, andava eu muito desejoso de encontrá-lo, a fim de tirar dois enganos: O sr. chamou-me mulato, e eu sou negro; e o sr, considera-se branco; entretanto, é mulato.[5]

Conclusões

Luiz Gama deixou lições explícitas ou implícitas que merecem ser registradas por todas as gerações que o sucederam, independentemente da época, porque são atemporais. Entre elas: a) a perda de um emprego (no caso, amanuense) pode abrir novas oportunidades muito mais interessantes; b) a dedicação de um profissional, no caso, um advogado, deve ser integral, com toda força e dedicação; c) há causas que se defendem por ideal e não por dinheiro, isto é, que fortalecem uma personalidade e dão-lhe reconhecimento, tanto assim que Luiz Gama é lembrado mais de 100 anos após a sua morte; d) um bom advogado, tal como deve ser com outras profissões jurídicas, não se curva diante das adversidades, a fim de conquistar vantagem momentânea; e) para tornar-se brilhante na área jurídica e, como no caso, inesquecível, é preciso cultura e isto Luiz Gama conquistou, com certeza, com centenas de horas dedicadas à leitura.

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[1] PAULO FILHO, Pedro. Famosos rábulas no Direito brasileiro. Leme: J. H. Mizuno, 2007, p. 108.

[2]  O jornal Correio Paulistano nessa época tinha tendência liberal e posteriormente, na República, tornou-se conservador.

[3] Correio Paulistano. A demissão do Sr. Luiz Gama. São Paulo: 02 nov. 1869, p. 2.

[4] Correio Paulistano. A pedido. Questão de liberdade. São Paulo: 13.mar. 1869, p. 2.

[5] ALMEIDA NOGUEIRA, A Academia de São Paulo. Tradições e Reminiscências. São Paulo: A Editora, 1908, v. 4ª. série, pp. 232-233.

  • é presidente da ALJP (Academia de Letras Jurídicas do Paraná); professor de Direito Ambiental e Sustentabilidade; pós-doutor pela FSP/USP, mestre e doutor em Direito pela UFPR; desembargador federal aposentado, ex-presidente do TRF-4. Foi Secretário Nacional de Justiça, Promotor de Justiça em SP e PR, presidente da International Association for Courts Administration (Iaca), da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) e do Ibrajus (Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário).

Fonte Conjur